8.12.09

DE PROFUNDIS, VALSA LENTA


EM COISA DA MEMÓRIA...

Das profundezas do abismo (um AVC, sofrido em 1995), José Cardoso Pires chamou por ele. Sim, disse bem, por ele (ele-próprio), e não por Ele, que isso seriam contas de outro rosário, para as quais Cardoso Pires nunca esteve virado, em vida e em obra. Tal chamamento ou grito ganhou corpo em De Profundis, Valsa Lenta (1997, Dom Quixote), que, segundo o próprio, também poderia ser uma Memória duma Desmemória. O livro, abrindo com um interessantíssimo prefácio de João Lobo Antunes, surge quase todo ele em forma de ensaio, apenas aqui e ali aflorando a ficção, sobretudo nos "diálogos" de Ramires e Martinho (os companheiros de quarto hospitalar). Mas De Profundis, dissertando sobre a doença vascular cerebral, toca-nos no nervo: é que sem memória não se vive; ou por outra, e como aponta Lobo Antunes, vive-se, quando muito, clinicamente, mas não humanamente.

A memória é a ponte que liga passado-presente-futuro. Sobre ela, atravessando-a num vai-vem constante, segue a vida. Repousa a existência. Assentam as nossas significações mentais, culturais e afectivas. E isto é tão verdade que, se por acaso (ou por obra de um AVC), e ainda que temporariamente, essa ponte ruir, entramos naquilo que JCP baptizou de morte branca, aka processo de despersonalização, aka perda de identidade, aka incomunicabilidade. Tornamo-nos alheios e anónimos, passamos a habitar uma "ilha de náufragos".

De facto, que somos nós sem aquilo que fomos? É certo que nada somos se não sonharmos em ser algo mais. Mas não nos esqueçamos da memória, ou a vida torna-se uma meada demasiado longa para se lhe retomar o fio. Li De Profundis e lembrei-me disto. Ah, haja alguém que valorize a memória! E agora, José? José, obrigado.

6.12.09

NO TEU DESERTO


Houve verão, houve leveza. Leveza literária, bem entendido. Algures entre Agosto e Setembro passados, ocupei-me disto - No Teu Deserto, o último "blockbuster literário" de Miguel Sousa Tavares. É certo que o epíteto de "Quase Romance", logo na capa, torna a coisa, digamos, um pouco despretensiosa por antecipação. Em todo o caso, tal efeito ou intenção esbate-se rapidamente mal se começa a leitura: qualquer leitor minimamente sóbrio constata, às primeiras páginas, que estamos perante mais um relato das "Aventuras do Super-Miguel". O livro dir-se-ia feito em forma de homenagem: a uma mulher, a uma viagem, a um lugar (o deserto). Não questiono a autenticidade desse intuito; nem sequer a sua consumação. Mas a escrita de MST começa, num certo sentido, a tornar-se insuportável, tal é a dose de egocentrismo. A estrutura narrativa de No Teu Deserto é uma repetição ad nauseam da fórmula obstáculo/superação, que surge ao longo de toda uma viagem até ao Sahara. Vem o obstáculo, vem o desafio (por ex., ter de fazer 400 km de carro por estrada nacional em seis horas e meia, conseguir in extremis um lugar num ferry que já se desprendia do cais, etc, etc.), vem a superação, vem a glória. Por quem e de quem? Pelo Miguel e do Miguel, claro. Ai se assim não fosse!

Mas enfim, não pense o leitor que é mais um Vasco Pulido Valente que escreve (no plano das intenções, das intenções..., já que quanto ao resto nem me atrevo a comparações). Eu gosto do MST. Gostei imenso do Equador, foi uma experiência empolgante; O Rio das Flores não li mas hei-de ler. O que de melhor há em No Teu... é o regresso de Sousa Tavares à literatura de viagens. Todavia, e em rigor, trata-se de um regresso pouco inovador: repete aqui muito do que já havia contado em SUL - Viagens (A Pista para Tamanrasset, p. 187 e ss.). É certo que desta feita o registo é incomparavelmente mais intimista: em Sul há apenas o Sahara, em No Teu... há o Sahara da Cláudia, que é uma homenagem à própria e que é o que no fundo prevalece. A partir de certa altura, e até para melhor dar corpo a essa homenagem, o livro entra num jogo real-ficção, cedendo Sousa Tavares pontualmente a narração da história a Cláudia, naquele que é o exercício do livro que o faz mais aproximar dum romance.

Em balanço, No Teu Deserto acaba por ser a evocação de uma memória, que é a forma mais bela de homenagem e gratidão a alguém que já nos deixou, e que igualmente prova, no caso, que uma viagem é sempre mais marcante se for partilhada. Por uma razão muito singela: é que tudo o que foi partilhado foi mais verdade, aconteceu mais.

3.10.09

9.9.09

UM NOCTURNO DO CINEMA...



... numa bela imagem do cinema (Hugh Jackman e Rachel Weisz, The Fountain, 2006).

6.9.09

SEJA BEM-VINDO

"Este último ano que passei na televisão não foi feliz, sem culpa nenhuma para Manuela Moura Guedes, que me tratou com inalterável generosidade. À parte a minha má imagem (um understatement), a minha má voz, geral incoerência e péssima dicção, sucede que escrever (um ofício em que me eduquei) é exactamente o contrário de falar. Quem fala improvisa; quem escreve calcula, planeia, emenda, substitui. Os dois processos são contrários. Pior, são incompatíveis. Verdade que a prosa acabou por me levar à televisão: um compreensível acidente. Só que "um homem de letras", mesmo medíocre, nunca, no fundo, se transforma. Voltar a este privilegiado canto é, para mim, como voltar para casa.".



Vasco Pulido Valente, no Público de hoje.

4.9.09

30.8.09

UM NOCTURNO DE AMY

28.8.09

ELES COMEM TUDO...


... e não deixam nada!

25.8.09

DOIS ANOS DEPOIS


Faz hoje dois anos que morreu Eduardo Prado Coelho. Como muitas vezes me acontece, a admiração foi precedida de embirração. EPC tinha, de facto, por vezes, momentos irritantes (sobretudo quando carregava no elogio ao PS-Governo), mas era um grande pensador e escrevia como poucos. Do nada fazia uma crónica brilhante. Li-o sempre com o esforço de quem, jovem como eu, queria melhorar a sua escrita. Amei-lhe o estilo. Usava muito o "donde" e o "ora" para rematar ou encadear raciocínios, e hoje sempre que uso um "donde" ou um "ora" é nele que penso. Os textos saíam-lhe com aquela simplicidade parva das coisas geniais, como se entre a primeira e a última linha a caneta nunca tivesse feito uma pausa. Era um grande polemista e homem de expressões felizes (como a inesquecível alcunha dada a Souto Moura de "gato constipado"). Lembro-me de se queixar numa das últimas crónicas, já na fase da doença e durante um período de internamento, da desumanização dos hospitais, e que até o queriam proibir de levar um livro da Agustina para uma qualquer sala de exames. "Da Agustina ninguém me separa", terá dito ao enfermeiro.
Como bem anota o João Gonçalves, "talvez - porque o tempo do nosso tempo é assassino e curto - pouca gente se recorde (ainda) do Eduardo Prado Coelho". Mas eu, que sou contra a desumanização da vida, resisto. Donde, da memória do Eduardo ninguém me separa.

24.8.09

GRANDES CENAS (7)

É fundamentalmente pelo beijo - o primeiro beijo: ao lado do sol e por cima do Danúbio (Ethan Hawke e Julie Delpy, em Before Sunrise, 1995).

20.8.09

MAIS AMERICA

16.8.09

MÚSICA DE ESTRADA

13.7.09

GRANDES FRASES (5)


"Mesmo quando não havia nenhuma esperança, sempre procurei dar o melhor de mim", Orson Welles.

9.7.09

GRANDES CENAS (6)

Não há muito a dizer sobre esta cena do marcante Philadelphia (1993). Ainda assim, o close-up final de Tom Hanks é, para mim, a imagem mais triste do cinema contemporâneo. Para os mais impacientes, é a partir dos 6:27.

17.6.09

GRANDES CENAS (5)



A mais bela entrada em cena de James Bond (Sean Connery, em Goldfinger, 1964).

8.6.09

GRANDES CENAS (4)



Espiando o amor (deslumbrante Jennifer Connelly, em Era Uma Vez na América, 1984).

6.6.09

MAR ADENTRO*


POR NÓS ADENTRO

Um belíssimo filme. E um filme que, sobretudo, e para mérito inteiro do seu realizador (Alejandro Amenábar), sobreviveu àquilo a que muitos esperavam que claudicasse: a demagogia (e até fanatismo, de um lado e de outro) com que crescentemente se aborda o tema da eutanásia. Este aspecto é, a meu ver, plenamente confirmado pela análise à personagem de Ramón Sampedro: de facto, em momento algum nos é apresentada como vítima do destino (embora objectivamente o seja); pelo contrário, Ramón surge-nos, ab initio, com uma força interior esplêndida, plena de simpatia e enorme sentido de humor. Se não repare-se: não se zangou com o mar, que o "atirou" para aquela cama; também não se zangou com a vida, o que ele acha (e que é algo bem distinto) é que já não tem vida, já não vive humanamente; e, mais ainda, nunca perdeu a vontade de sonhar, o sonho, esse traço único do Homem (lembre-se aquele espantoso "voo", desde a janela do seu quarto até à lindíssima praia galega). Enfim, conhecemos afinal um Ramón Sampedro que de forma alguma parece estar ressabiado com a vida e o destino. Tudo isto não impede, todavia, (e nem tinha que impedir...), que ele esteja determinado na sua decisão de pôr termo à vida, ou, como agora se diz, de morrer com dignidade. Ainda assim, note-se a grandeza de Ramón: apesar de uma morte digna ser a grande causa da sua vida, em momento algum há assomos de egoísmo ou mesmo de egocentrismo - tudo estava pensado na cabeça de Ramón para não prejudicar (leia-se incriminar) quem o ajudasse a morrer. Para este homem, os fins não justificavam os meios.

Sublinhe-se ainda o amor em Ramón: "A pessoa que me amar será aquela que me ajudar". Para ele, o amor surge como expressão máxima do respeito absoluto pelo outro.

Outro aspecto digno de realce no filme foi o não esquecimento da Igreja como parte importante no debate sobre a eutanásia (ou, mais latamente, sobre a defesa da vida). Contendo uma crítica explícita à doutrina católica actual, o diálogo entre Ramón e o padre da igreja espanhola (também ele tetraplégico) é um dos momentos altos do filme.

Para além de todas estas considerações, há uma que ainda falta fazer. E que é a mais sui generis: é que o filme, para mim, encerra uma espantosa ironia: tendo como (pretenso) objectivo levar-nos a defender a eutanásia (pelo menos no caso concreto de Ramón), o que é facto é que acabamos por não querer que ele morra..., não no sentido de não querermos respeitar a sua vontade, mas porque rapidamente criamos afecto com Ramón, e quem é que gosta de ver partir alguém que estima?

De resto, três notas finais: primo, a magnífica interpretação de Javier Bardem (decerto o melhor actor espanhol da actualidade); secundo, a excepcional captação, pela câmara de Amenábar, da infinita beleza da Galiza (maxime da sua deslumbrante costa); e tertio, o Oscar é mais do que merecido, e vem acentuar o (justo) domínio do cinema espanhol nos últimos anos na categoria de melhor filme estrangeiro.

*Texto escrito em 2005.

4.6.09

QUE MULHER PARA EÇA?


«Eu precisava de uma mulher serena, inteligente, com uma certa fortuna (não muita), de carácter firme, disfarçado sob um carácter meigo (...) que me adoptasse como se adopta uma criança, me obrigasse a levantar a certas horas, me forçasse a ir para a cama a horas cristãs - e não quando os outros almoçam - que me alimentasse com simplicidade e higiene, que me impusesse um trabalho diurno e salutar e que, quando eu começasse a chorar pela Lua, ma prometesse - até eu a esquecer (...)».

23.5.09

GRANDES CENAS (3)

Uma explosão de amizade (De Niro e Chris Walken, em O Caçador, 1978).

21.5.09

BLADE RUNNER*


A BUSCA DE SENTIDO HUMANO


1. BLADE RUNNER E O FUTURO. FUTURO?

No momento em que vejo Blade Runner (2005), o ano de 2019 já não se apresenta assim tão longuínquo. Pelo contrário, com o ritmo frenético a que se vive actualmente, está ao virar da esquina; mais ano menos ano, estamos lá. E este é um aspecto decisivo, pois que retira uma boa parte do impacte com que na época Ridley Scott (meritoriamente, diga-se) pretendia atingir o mundo do cinema. Desde logo, pela inevitável descredibilização do cenário futurista apocalíptico aos olhos de quem hoje vê o filme. Salvo melhor opinião ou acontecimento totalmente fora das previsões da mente humana, 2019 não será certamente assim. Mas não se culpabilizem R. Scott e Philip K. Dick (um dos maiores criadores de ficção científica adaptada ao cinema): previsões como esta do futuro, em que o mundo aparece ineroxavelmente dominado pela artificialidade, pelo caos, pela soturnidade, não são outra coisa que não fruto dum crónico (e estranho?) pessimismo que há muito se instalou no espírito de todos aqueles que, nas artes em geral, e no cinema em particular, se dedicam a pensar e a imaginar o futuro.

Todavia, um tal cenário imaginado e plasmado em Blade Runner tem, mesmo hoje e pese as condicionantes já apontadas, um interesse fascinante. Ainda que valha apenas como mero exercício ficcional e já não também como previsão plausível (aliás, poder-se-á mesmo defender que esta foi a única intenção de R. Scott), o que é facto é que o "mundo" de Blade Runner tem algo de deslumbrante, de mágico, mesmo de intimista. A chuva, para além de deprimente, pode também ter o seu lado romântico ("I'm singing in the rain...", lembram-se?); a noite, para além do seu lado por vezes aterrador, pode também tornar o Homem mais vulnerável (num sentido positivo, de maior abertura a pensamentos e emoções); a própria recriação do passado em pleno cenário futurista é encantadora (bem patente no mercado onde comerciava o vendedor egípcio de cobras: aquele mercado existe hoje, tal como já existia na Idade Média!). Enfim, a Terra de Blade Runner, se num primeiro momento afasta, num segundo une, chama, aproxima.


2. NUM MUNDO ARTIFICIAL, HÁ QUEM PROCURE UM SENTIDO HUMANO

Está aqui então o cerne do filme. Em 2019, neste "mundo" de Blade Runner, (ainda) há humanos, e há também "humanos" feitos pelos humanos - os replicantes. Eram estes últimos seres, nas suas últimas versões de fabrico, em tudo idênticos aos humanos (inclusive nas emoções, sensações, pensamentos...), com uma única excepção: tinham um prazo de vida certo, e também bastante curto - viviam apenas 4 anos. Mas contextualize-se tudo isto: estes replicantes eram criados pelos humanos com a função de escravos - deviam, primordialmente, ser utilizados na conquista e exploração de outros planetas. Percebe-se a ideia: o uso de não-humanos em tais tarefas tão perigosas e arriscadas tinha uma enorme garantia: a inexistência de perdas humanas. Fazia-se o trabalho pesado, e nenhum Homem morria. Além disso, os replicantes, malgré a sua enorme sofisticação, queriam-se comportados como um qualquer robot: deviam executar a ordem humana, e tudo feito sem perguntas, sem dúvidas, sem hesitações. Pura (e mecânica) obediência. Mas aconteceu o inesperado: à medida que se foram apercebendo da sua "condição humana", mais intenso era o desejo de se libertarem do domínio do Homem. Daí à revolta foi um passo. Queriam a "emancipação". A criatura aspirava a ser como o criador. Legitimamente? Está aqui o grande jogo de emoções do filme! Perante uma verdadeira indistinção (física, psicológica, no fundo genética...) entre humanos e replicantes, qual o fundamento daqueles para liquidarem estes? Por outro lado, havendo essa indistinção, não seria então legítimo aos replicantes aspirarem a ter um "estatuto igualitário" aos humanos (designadamente, tendo a mesma longevidade)?

A estas duas questões correspondem os temas filosóficos abordados no filme: na primeira questão, está implícita a discussão de saber se, quando um humano mata um replicante, não será já um humano a matar outro humano?; na segunda questão, está em causa o dilema existencial dos replicantes: sendo tão humanos quanto os humanos, por que não viver tanto como os humanos?

É óbvio que, com uma temática assim, dir-se-ia que o filme foi feito para nos levar a aderir desde logo à causa dos replicantes. Mas talvez seja aqui que o filme mais falha, pois penso ter faltado alguma habilidade para promover uma maior afeição e proximidade entre nós (que vemos o filme) e os replicantes (ao contrário de filmes como ET e AI, onde essa ligação funciona bem melhor). Ou então talvez o filme deva ser visto duas vezes: uma, visto do lado dos humanos; outra, visto do lado dos replicantes. E porventura esta última seja uma visão mais... humana.

PS1 - Acrescente-se ainda que o filme tem uma magnífica (e inovadora, para a época) banda sonora. Vangelis no seu melhor.

PS2 - Quem visse logo o filme em 1982, e percebesse minimamente de cinema, via certamente que estava ali a despontar um grande actor. De nome Harrisson Ford.
*Texto escrito em 2005 no meu anterior blogue Renascer.

18.5.09

GRANDES MÚSICAS (3)


Gran Torino - Jamie Cullum

Esta é mesmo só ouvir.

DISCURSO DE KENNEDY - AMERICAN UNIVERSITY (1963)

A propósito do post "Grandes Frases (4)": isto resulta muito melhor ouvindo...

(ah, e é verdade: o título deste vídeo que consta do youtube deve, pelo seu ridículo e radical nacionalismo, bem ao jeito republicano ou texano, ser completamente ignorado).

17.5.09

GRANDES CENAS (2)

Um tango de tacto (Al Pacino, em Perfume de Mulher, 1992).

GRANDES FRASES (4)


"O laço essencial que nos une é que todos habitamos este pequeno planeta, todos respiramos o mesmo ar, todos nos preocupamos com o futuro dos nossos filhos e todos somos mortais", John F. Kennedy.

14.5.09

EFEMÉRIDE


Se a memória não me falha, passam hoje 15 anos sobre o inesquecível, ou melhor, sobre o aterrador, empolgante e sublime (como noticiava a manchete de A Bola do dia seguinte) derby de Alvalade que o SLB ganhou por 3-6, com uma exibição lendária de João Pinto! E eu estava lá, com treze aninhos..., acompanhado do meu pai, onde, no meio daquela chuva grossa e pesada, festejámos cada golo como se fosse o último das nossas vidas! Em tempos de crise aguda benfiquista, há que ir ao baú buscar estas coisinhas...

GRANDES MÚSICAS (2)


Everybodys Talkin - Harry Nilsson

Grande música, de facto! E que serve de banda sonora a um grande filme - Midnight Cowboy (1969)! Quando a oiço sinto-me a levantar voo... porque, tal como reza a própria, ... I'm going where the sun keeps shining!

13.5.09

PÉROLAS DE JORGE JESUS


Ontem na rua, à porta do emprego, deram-me um exemplar do novo jornal i. Li-o mais tarde em casa de fio a pavio. Jornal interessante. Momento sublime: nas últimas páginas, na secção desporto, e a propósito da eventual ida de Jorge Jesus para o SLB, o jornalista Pedro Candeias, autor da peça, decide recordar algumas das melhores pérolas do actual treinador do Braga. São três e eu ainda me lembrava de duas delas. Ora então cá vai:
1ª - "Quero aproveitar para dedicar esta vitória a todos os motocards da Amadora que vieram até aqui"
2ª - "Não respondo a essa pergunta porque essa é uma questão do forno interno do clube"
3ª - "Os estrangeiros não são problema. Estamos a tratar do processo de neutralização"
Não se riam. Isto é arte, caros amigos! Muito bom...

11.5.09

GRANDES MÚSICAS (1)

Não consigo parar de ouvir isto... são irlandeses!

10.5.09

GRANDES CENAS (1)

Um demolidor abrir de coração (Marlon Brando, em Há Lodo no Cais, 1954).

THE AVIATOR*



CITIZEN HUGHES


The Aviator, o novo filme de Martin Scorsese, foca-se na vida de Howard Hughes (1905-1976), um americano milionário, excêntrico, realizador e produtor de filmes, e, mais ainda, um dos maiores génios da aeronáutica do século XX. Por ironia, sendo o filme sobre um aviador, ele representa também (como o próprio já se encarregou de confirmar) o último voo de Scorsese para o Oscar. Quanto à obra em si, The Aviator tenta retomar o biopic na sua melhor tradição, o mesmo é dizer, e em termos paradigmáticos, tenta construir-se (penso poder dizê-lo) na esteira de Citizen Kane (1941). Mas, claro está (e não fosse este um filme de Scorsese), tudo feito com virtuosismo, isto é, numa síntese entre o aproveitamento do que há de melhor em termos de Escola, e o toque pessoal de Scorsese, que sempre inova, rasga, impressiona.

O filme tem, de facto, notórias semelhanças com a mais emblemática obra de Orson Welles. O que, sublinhe-se, em nada o prejudica, antes pelo contrário. E a grande questão é esta: terão sido Scorsese e The Aviator dignos de suceder a Welles e Citizen Kane? Penso sinceramente que sim. Em The Aviator, tudo está pensado para tal: desde a escolha da personagem a biografar (Scorsese sabia que para um grande biopic, uma grande personagem, e Howard Hughes preenche o tipo), passando pelos tópicos centrais do filme (génio - doença - solidão), até à excelência da realização (Scorsese, tal como Welles, foi, é, e sempre será um inovador do e no seu tempo).

O Aviador, como se acaba de referir, gira em torno dum triângulo temático, a saber: o génio, a doença, e a solidão. Pergunte-se se isto tudo é compatível com a felicidade, e temos a chave do filme. Mais concretamente, há que analisar duas dualidades fundamentais do filme: uma interior - a dualidade em Hughes entre o génio (ou, mais simplesmente, o homem) e a doença, e outra exterior - a dualidade entre Hughes e o mundo que o rodeia. Quanto à primeira, não tenho dúvidas em afirmar que vence o génio, vence o homem, vence Howard Hughes, apesar da doença. E no que toca este aspecto, há dois sinais esclarecedores no filme: um primeiro (necessariamente ligado ao homem) em que Hughes, apesar da doença, consegue amar, consegue, no fundo, alcançar essa "fusão" sentimental que espelha o amor (patente na partilha da sua garrafa de leite com Katharine Hepburn, gesto que, no contexto do filme e da personalidade de Hughes, adquire um simbolismo decisivo); e, segundo sinal (relativo ao génio), em que Hughes, apesar da doença, consegue ficar na história da aviação (quiçá mesmo na história americana), consegue ser O Aviador: a perseverança demonstrada em fazer o Hércules levantar voo é aqui também ela um exemplo decisivo, pois mais do que uma prova dada ao mundo exterior, representa sobretudo o vencer de um desafio de Hughes com ele próprio. E quanto à segunda dualidade (exterior), é aqui que mais nos lembramos da personagem de Charles Foster Kane, pois o percurso de Hughes (neste aspecto) quase que se diria idêntico ao daquele. Com efeito, e funcionando como um contrapeso à vitória do génio/homem sobre a doença, a relação de Hughes com o mundo que o rodeia pauta-se por uma infelicidade extrema, uma constante falta de comunicação, mesmo de integração humana. Tal como Kane, Hughes tem a infância sempre (anormalmente) presente - o sabonete, herança simbólica de sua mâe, "entranhado" no bolso, quase que representa, ao estilo de Pessoa, o passado (leia-se infância) roubado na algibeira...

Em síntese, este último filme de Scorsese aborda, com um realismo impressionante (a fazer lembrar Leone...), a genialidade humana e a loucura (como podendo ser, e muitas vezes são, duas faces da mesma moeda), a falta de integração dum Eu (Hughes) com o mundo que o rodeia, a sua incapacidade crónica de ser feliz com os outros, enfim, a solidão e a evocação constante da infância como única forma de a combater.
*Texto escrito em 2005 no meu anterior blogue Renascer.

9.5.09

ISTO...

... era o que eu gostava de saber fazer com uma bola de futebol!

3.5.09

GRANDES FRASES (3)

"Uma grande alma distingue-se por desprezar a grandeza e por preferir a justa medida das coisas aos excessos", Séneca.

BERTRAND RUSSELL E A CRISE DAS RELAÇÕES HUMANAS

"Os obstáculos psicológicos e sociais que se opõem ao desabrochar da afeição recíproca são prejuízos graves de que o mundo sempre sofreu e sofre ainda. As pessoas são lentas a dar admiração a outras, com receio de que seja mal empregada; são também lentas a dar provas de afeição com medo de virem a sofrer por causa das pessoas a quem as dêem ou com receio da censura do mundo. A prudência é-lhes imposta não só em nome da moral, mas também em nome da sabedoria humana, e daí resulta que a generosidade e o espírito de aventura são desencorajados no que respeita à afeição. (...) Cada um procura não se abandonar, cada um conserva o seu isolamento fundamental, cada um continua intacto e portanto estéril. Em tais experiências não há valor essencial."

Não resisti a transcrever esta magnífica passagem dum livro de B. Russell (a saber, The Conquest of Hapiness) não só, antes de mais, pela genial capacidade de reflexão filosófico-sociológica demonstrada, mas também pela impressionante actualidade do assunto em análise. Aliás, tenho para mim que dificilmente outro tema, no plano das relações humanas, tenha actualmente tanta importância como este. É pena é que seja pelas piores razões.

De facto, confesso que o individualismo extremo por que as pessoas hoje em dia pautam a sua vida afectiva é um dos tópicos sobre os quais mais me apetece escrever. Creio que vivemos mesmo na era do isolacionismo afectivo, em que é um imperativo (ainda que inconsciente) desvalorizar o outro, desprezar o convívio enriquecedor, e, mais grave de tudo, agir interessadamente (ou, ao invés, haver uma incapacidade total de agir para com o outro desinteressadamente). Vivemos numa época em que se faz a mais mesquinha auto-exaltação do ego, sem que isso represente forma alguma de auto-estima, mas antes uma pobreza afectiva e emocional que nos torna civilizacional e culturalmente mais pobres. E, claro, dificulta muito a felicidade. Mas, como diz o Carlos Amaral Dias, talvez isso (felicidade) seja só coisa de besouros...

30.4.09

UM POEMA DE QUE GOSTO MUITO


ÁLVARO CAMPOS

ANIVERSÁRIO


No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui - ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho... )
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a humidade no corredor do fim da casa,

Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),


O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos ...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!


Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...

A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,

O aparador com muitas coisas - doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado,

As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos. . .


Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira! ...


O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...

19.4.09

A COR DO DINHEIRO


O JOGO PELO JOGO

Lembro-me de ser criança e ir a salões de snooker, ora pela mão do meu pai, ora pela do meu irmão (8 anos mais velho). Lembro-me de jogar com um e com outro, de ganhar (menos) e de perder (mais...) com um e com outro. Sempre que perdia, lembro-me da fúria silenciosa que tomava conta de mim; mas, quando ganhava, era tal a sensação de realização, de autoconfiança e de orgulho, que me sentia o rei do mundo. Não sei porquê, mas a atmosfera dum salão de jogos, particularmente a da sala do snooker, com as mesas como que geometricamente dispostas ao jeito duma planta pombalina, e os seus reluzentes tapetes verdes, deixava-me fascinado. E quando nela entrava, sendo criança, logo deixava de o ser. Vinha o espírito de competição, a vontade de vencer os jogos, a concentração, o rosto fechado numa pose de homem. Por coincidência, foi também por essa altura que vi pela primeira vez A Cor do Dinheiro (1986), de Martin Scorsese, onde fui encontar na personagem de Vincent Lauria uma espécie de alma gémea. Hoje, muitos anos depois, e a propósito do seu mais que tardio lançamento em DVD no mercado português, vale a pena deixar algumas notas sobre o filme.

A Cor do Dinheiro
é um dos filmes da minha vida. E, sendo também um dos filmes das vidas de Paul Newman e Tom Cruise, é acima de tudo o filme que os cruza na vida. Cruza um peso-pesado com um neófito promissor. Cruza a geração do Actors Studio com uma nova geração de Hollywood. E muitos vêem nesse cruzamento uma passagem de testemunho entre Newman e Cruise - um momento de transição simbólico.

Paul Newman é Eddie Felson, um antigo "monstro" do bilhar, cuja carreira assume quase contornos de mito, mas que a veterania conduziu a um pouco transparente vendedor de whisky. Paralelamente, a sua relação com o bilhar passa a ter no centro o dinheiro: Felson, com o decorrer dos anos, tornara-se uma espécie de "empresário de bilhar", que detecta novos talentos e daí procura, nos típicos ambientes de apostas dos salões de jogos, tirar para si os máximos dividendos. Dir-se-ia que, com a decadência do tempo, o desejo de vencer os jogos (como jogador) deu lugar à vontade de ganhar dinheiro fácil (como apostador). Mas eis que, através do som duma tacada forte ("uma abertura potente"), Felson descobre Vincent Lauria (Cruise). Scorsese acompanha a situação: a cada abertura de Vincent é o close-up de Newman que surge. Daí até à redenção final de Felson, a câmara não pára de girar (às vezes literalmente) em torno de Newman. Porque é disso mesmo que trata o filme: da redenção, através de Vincent, de Eddie Felson. Na excêntrica e genial personagem de Tom Cruise, Felson ora vê o delfim ora se vê a si próprio, mergulhando a partir daí o filme num ambivalente e fascinante jogo de emoções. A redenção vai consistir numa redescoberta por parte de Felson da pureza do jogo, do prazer de jogar o jogo pelo jogo, de voltar a pedir a cada adversário que leve para a mesa, não dinheiro, mas o seu melhor jogo. No fundo, esta redenção de Felson é um regresso: um regresso à vida, um regresso a si próprio e um regresso à autenticidade. O dinheiro, esse, perdeu a cor.

NOTA (1): Foi com A Cor do Dinheiro que Paul Newman ganhou finalmente o seu óscar de melhor actor. Numa altura, é certo, em que já não precisava dele para nada. Em todo o caso, há interpretações de certos actores que são autênticos Manuais de Representação. Esta de Newman é uma delas (lembro-me também, por exemplo, da interpretação de Robert De Niro em O Cabo do Medo). Quando passam poucos meses desde a sua morte, aqui fica a minha homenagem.

NOTA (2): Por falar em Manuais de Representação, vejam a realização de Scorsese e têm aí um Manual de Realização.

18.4.09

GRANDES FRASES (2)

"Nunca faço planos para a vida para não estragar os planos que a vida tem para mim", Agostinho da Silva.

GRANDES FRASES (1)


"Já viste amar sem imaginação?", José Cardoso Pires para Clara Ferreira Alves, em José Cardoso Pires - Livro de Bordo (filme).



29.3.09

EÇA E A ORIGEM DE "AS FARPAS"

Avançando na leitura de Filomena Mónica, chego à criação de As Farpas. Em carta dirigida a João Penha, datada de Junho de 1871, Eça de Queirós enuncia o objectivo da publicação: «Jornal de luta, jornal mordente, cruel, incisivo, cortante e sobretudo jornal revolucionário». Sobre o modelo de inspiração: «São as Guêpes, de Karr*, tratadas ao modo peninsular: mais fogo, mais vigor, mais violência e mais intenção. No estado em que se encontra o país, os homens inteligentes que têm em si a consciência da revolução - não devem instruí-lo, nem doutriná-lo, nem discutir com ele - devem farpeá-lo. As Farpas são pois o trait, a pilhéria, a ironia, o epigrama, o ferro em brasa, o chicote - postos ao serviço da revolução». Que bela primeira farpa!


*Editadas em Paris, sobre a realidade francesa.


23.3.09

GRAN TORINO

Olhando pelo espelho de Gran Torino (2008), de Clint Eastwood, vê-se a América de hoje. Naquele que pode bem ser o seu último aceno ao mundo do cinema, et pour cause, Eastwood traz-nos uma obra derradeira, plena de realismo, que traça um dos retratos mais fiéis da contemporaneidade americana. Walt Kowalsky é um sobrevivente da velha América, aquela que vivia do trabalho e do esforço, da rectidão e do conservadorismo. É também um sobrevivente da sua própria família e da culpa pelo seu fracasso como pai. E é ainda um sobrevivente da Guerra da Coreia (1950-53), dos seus traumas e dos seus fantasmas. No limite, é um sobrevivente dele próprio, sem ponte para o mundo e os outros. Ou, se se quiser, e num plano mais transcendental, Walt Kowalsky é alguém que sofre (rosnando) com a perda de um sentido americano de vida, vivendo num mundo onde já não há referências americanas; num mundo onde no lugar de Fords circulam Toyotas; num mundo onde os jovens, mesmo os inteligentes, não sabem o que fazer à vida; num mundo onde parece não haver futuro.

Contudo, no meio do caos, emerge a lição de Eastwood. Revisitando as origens americanas, o polaco Walt Kowalsky vai-se redescobrir numa mescla com os vizinhos Hmongs, onde particularmente estabelece uma relação pai-filho com Thao. O filme, a partir daí, centra-se todo numa redenção e dependência recíprocas, em que cada um precisa do outro para se reconstruir, em que cada um é a segunda oportunidade do outro. Thao herda de Walt o seu Gran Torino, o mesmo é dizer os seus princípios e ensinamentos. E Walt perdoa-se e é perdoado.

No mundo real, porém, nada podia ser assim tão simples. Faltava a maldade. A ordem natural da vida dá sentido ao sacrifício final de Walt Kowalsky. Dezasséis anos depois, Eastwood, surgindo silencioso da noite escura, tem mais uma vez um bando diante de si para abater. A expressão fulminante é a mesma mas desta vez não há a espingarda em riste. Vem desarmado. Tratava-se agora, não de fazer vingança, mas de garantir um futuro. Não o assegurar é que seria imperdoável.


22.3.09

ORA AÍ ESTÁ UMA BOA IDEIA...


...a de associar o Presidente da República à nomeação parlamentar de cargos tão importantes como os de conselhos superiores, altas autoridades, entidades reguladoras e provedor de justiça, defendida no Público de hoje por António Barreto, no seu artigo semanal. Todavia, vou um pouco mais longe: em vez de uma indefinida "associação presidencial" a essas nomeações parlamentares, por que não a passagem das mesmas, em sede de revisão constitucional, para a esfera de competência exclusiva do Presidente da República? Se se tratam de cargos onde é suposto presidirem pessoas independentes, isentas e acima de qualquer ligação partidária, por que não deverem elas ser nomeadas pela mais alta figura independente, isenta e suprapartidária do estado?

EÇA DE QUEIRÓS E A VISÃO NEGATIVISTA DO AMOR

Como bem refere Maria Filomena Mónica no prefácio da obra em apreço, distinguir, a propósito de grandes autores literários, entre vida e obra é sempre artificial. Na sua vida pessoal, parece que Eça não se deu lá muito bem com o amor. Em plena adolescência, terá ficado marcado pelo veto do seu tio ao namoro com a prima mais velha, o que fez com que precocemente se sentisse um homem pouco desejado. Posteriormente, a influência de Proudhon e a adopção do realismo terão também ajudado a moldar a visão trágica e negativista do amor que perpassa em muita da sua obra. Com efeito, o amor em Eça surge amiúde viciado na sua base, seja pela impossibilidade natural do incesto (Os Maias), pela proibição social e moral (O Crime do Padre Amaro) ou pelo adultério sem escrúpulos ( O Primo Basílio). E, curiosamente, é quase sempre sobre a personagem feminina, descrita pelo vazio mental, pelo sentimentalismo e pela inocência, que vai recair o onús da tragédia. É a mulher que ama, e o homem que desfruta. É a mulher que sonha, e o homem que friamente desfaz os sentimentos. É a mulher que se sacrifica, e o homem que segue vivendo. No fundo, é a mulher romântica, e o homem realista.

Em O Mistério da Estrada de Sintra (1870, em co-autoria com Ramalho Ortigão), ainda longe, portanto, da maturidade das grandes obras, Eça começa a desenhar aquela que viria a ser a sua visão fundamental do amor. Deixo aqui uma passagem (citada na obra de Filomena Mónica) correspondente a um dos últimos folhetins, "A Confissão Dela", escrito por Eça, em que o capitão inglês Rytmel comunica, através de carta, à Condessa de W a impossibilidade de aquele amor sobreviver: «Fias-te de mais no amor! Aquele amparo superior, aquele apoio sólido e protector, que todo o espírito procura no mundo, e que uns acham na família, outros na ciência, outros na arte, tu pareces quereres encontrá-lo somente na paixão, e não sei se isso é justo, se isso é realizável!». Mais à frente, o amor «é um desequilíbrio das faculdades; é o predomínio momentâneo e efémero da sensação; isto basta para que não possa repousar sobre ele nenhum destino humano. É uma limitação da liberdade, é uma diminuição do carácter; especializa, circunscreve o indivíduo; é uma tirania natural, é o inimigo astuto do critério e do arbítrio (...)».

NOTA DE ABERTURA

Hoje, aqui e agora, nasce um novo blogue. Oxalá tenha uma boa vida e alcance a velhice.