6.12.09

NO TEU DESERTO


Houve verão, houve leveza. Leveza literária, bem entendido. Algures entre Agosto e Setembro passados, ocupei-me disto - No Teu Deserto, o último "blockbuster literário" de Miguel Sousa Tavares. É certo que o epíteto de "Quase Romance", logo na capa, torna a coisa, digamos, um pouco despretensiosa por antecipação. Em todo o caso, tal efeito ou intenção esbate-se rapidamente mal se começa a leitura: qualquer leitor minimamente sóbrio constata, às primeiras páginas, que estamos perante mais um relato das "Aventuras do Super-Miguel". O livro dir-se-ia feito em forma de homenagem: a uma mulher, a uma viagem, a um lugar (o deserto). Não questiono a autenticidade desse intuito; nem sequer a sua consumação. Mas a escrita de MST começa, num certo sentido, a tornar-se insuportável, tal é a dose de egocentrismo. A estrutura narrativa de No Teu Deserto é uma repetição ad nauseam da fórmula obstáculo/superação, que surge ao longo de toda uma viagem até ao Sahara. Vem o obstáculo, vem o desafio (por ex., ter de fazer 400 km de carro por estrada nacional em seis horas e meia, conseguir in extremis um lugar num ferry que já se desprendia do cais, etc, etc.), vem a superação, vem a glória. Por quem e de quem? Pelo Miguel e do Miguel, claro. Ai se assim não fosse!

Mas enfim, não pense o leitor que é mais um Vasco Pulido Valente que escreve (no plano das intenções, das intenções..., já que quanto ao resto nem me atrevo a comparações). Eu gosto do MST. Gostei imenso do Equador, foi uma experiência empolgante; O Rio das Flores não li mas hei-de ler. O que de melhor há em No Teu... é o regresso de Sousa Tavares à literatura de viagens. Todavia, e em rigor, trata-se de um regresso pouco inovador: repete aqui muito do que já havia contado em SUL - Viagens (A Pista para Tamanrasset, p. 187 e ss.). É certo que desta feita o registo é incomparavelmente mais intimista: em Sul há apenas o Sahara, em No Teu... há o Sahara da Cláudia, que é uma homenagem à própria e que é o que no fundo prevalece. A partir de certa altura, e até para melhor dar corpo a essa homenagem, o livro entra num jogo real-ficção, cedendo Sousa Tavares pontualmente a narração da história a Cláudia, naquele que é o exercício do livro que o faz mais aproximar dum romance.

Em balanço, No Teu Deserto acaba por ser a evocação de uma memória, que é a forma mais bela de homenagem e gratidão a alguém que já nos deixou, e que igualmente prova, no caso, que uma viagem é sempre mais marcante se for partilhada. Por uma razão muito singela: é que tudo o que foi partilhado foi mais verdade, aconteceu mais.

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