23.5.09

GRANDES CENAS (3)

Uma explosão de amizade (De Niro e Chris Walken, em O Caçador, 1978).

21.5.09

BLADE RUNNER*


A BUSCA DE SENTIDO HUMANO


1. BLADE RUNNER E O FUTURO. FUTURO?

No momento em que vejo Blade Runner (2005), o ano de 2019 já não se apresenta assim tão longuínquo. Pelo contrário, com o ritmo frenético a que se vive actualmente, está ao virar da esquina; mais ano menos ano, estamos lá. E este é um aspecto decisivo, pois que retira uma boa parte do impacte com que na época Ridley Scott (meritoriamente, diga-se) pretendia atingir o mundo do cinema. Desde logo, pela inevitável descredibilização do cenário futurista apocalíptico aos olhos de quem hoje vê o filme. Salvo melhor opinião ou acontecimento totalmente fora das previsões da mente humana, 2019 não será certamente assim. Mas não se culpabilizem R. Scott e Philip K. Dick (um dos maiores criadores de ficção científica adaptada ao cinema): previsões como esta do futuro, em que o mundo aparece ineroxavelmente dominado pela artificialidade, pelo caos, pela soturnidade, não são outra coisa que não fruto dum crónico (e estranho?) pessimismo que há muito se instalou no espírito de todos aqueles que, nas artes em geral, e no cinema em particular, se dedicam a pensar e a imaginar o futuro.

Todavia, um tal cenário imaginado e plasmado em Blade Runner tem, mesmo hoje e pese as condicionantes já apontadas, um interesse fascinante. Ainda que valha apenas como mero exercício ficcional e já não também como previsão plausível (aliás, poder-se-á mesmo defender que esta foi a única intenção de R. Scott), o que é facto é que o "mundo" de Blade Runner tem algo de deslumbrante, de mágico, mesmo de intimista. A chuva, para além de deprimente, pode também ter o seu lado romântico ("I'm singing in the rain...", lembram-se?); a noite, para além do seu lado por vezes aterrador, pode também tornar o Homem mais vulnerável (num sentido positivo, de maior abertura a pensamentos e emoções); a própria recriação do passado em pleno cenário futurista é encantadora (bem patente no mercado onde comerciava o vendedor egípcio de cobras: aquele mercado existe hoje, tal como já existia na Idade Média!). Enfim, a Terra de Blade Runner, se num primeiro momento afasta, num segundo une, chama, aproxima.


2. NUM MUNDO ARTIFICIAL, HÁ QUEM PROCURE UM SENTIDO HUMANO

Está aqui então o cerne do filme. Em 2019, neste "mundo" de Blade Runner, (ainda) há humanos, e há também "humanos" feitos pelos humanos - os replicantes. Eram estes últimos seres, nas suas últimas versões de fabrico, em tudo idênticos aos humanos (inclusive nas emoções, sensações, pensamentos...), com uma única excepção: tinham um prazo de vida certo, e também bastante curto - viviam apenas 4 anos. Mas contextualize-se tudo isto: estes replicantes eram criados pelos humanos com a função de escravos - deviam, primordialmente, ser utilizados na conquista e exploração de outros planetas. Percebe-se a ideia: o uso de não-humanos em tais tarefas tão perigosas e arriscadas tinha uma enorme garantia: a inexistência de perdas humanas. Fazia-se o trabalho pesado, e nenhum Homem morria. Além disso, os replicantes, malgré a sua enorme sofisticação, queriam-se comportados como um qualquer robot: deviam executar a ordem humana, e tudo feito sem perguntas, sem dúvidas, sem hesitações. Pura (e mecânica) obediência. Mas aconteceu o inesperado: à medida que se foram apercebendo da sua "condição humana", mais intenso era o desejo de se libertarem do domínio do Homem. Daí à revolta foi um passo. Queriam a "emancipação". A criatura aspirava a ser como o criador. Legitimamente? Está aqui o grande jogo de emoções do filme! Perante uma verdadeira indistinção (física, psicológica, no fundo genética...) entre humanos e replicantes, qual o fundamento daqueles para liquidarem estes? Por outro lado, havendo essa indistinção, não seria então legítimo aos replicantes aspirarem a ter um "estatuto igualitário" aos humanos (designadamente, tendo a mesma longevidade)?

A estas duas questões correspondem os temas filosóficos abordados no filme: na primeira questão, está implícita a discussão de saber se, quando um humano mata um replicante, não será já um humano a matar outro humano?; na segunda questão, está em causa o dilema existencial dos replicantes: sendo tão humanos quanto os humanos, por que não viver tanto como os humanos?

É óbvio que, com uma temática assim, dir-se-ia que o filme foi feito para nos levar a aderir desde logo à causa dos replicantes. Mas talvez seja aqui que o filme mais falha, pois penso ter faltado alguma habilidade para promover uma maior afeição e proximidade entre nós (que vemos o filme) e os replicantes (ao contrário de filmes como ET e AI, onde essa ligação funciona bem melhor). Ou então talvez o filme deva ser visto duas vezes: uma, visto do lado dos humanos; outra, visto do lado dos replicantes. E porventura esta última seja uma visão mais... humana.

PS1 - Acrescente-se ainda que o filme tem uma magnífica (e inovadora, para a época) banda sonora. Vangelis no seu melhor.

PS2 - Quem visse logo o filme em 1982, e percebesse minimamente de cinema, via certamente que estava ali a despontar um grande actor. De nome Harrisson Ford.
*Texto escrito em 2005 no meu anterior blogue Renascer.

18.5.09

GRANDES MÚSICAS (3)


Gran Torino - Jamie Cullum

Esta é mesmo só ouvir.

DISCURSO DE KENNEDY - AMERICAN UNIVERSITY (1963)

A propósito do post "Grandes Frases (4)": isto resulta muito melhor ouvindo...

(ah, e é verdade: o título deste vídeo que consta do youtube deve, pelo seu ridículo e radical nacionalismo, bem ao jeito republicano ou texano, ser completamente ignorado).

17.5.09

GRANDES CENAS (2)

Um tango de tacto (Al Pacino, em Perfume de Mulher, 1992).

GRANDES FRASES (4)


"O laço essencial que nos une é que todos habitamos este pequeno planeta, todos respiramos o mesmo ar, todos nos preocupamos com o futuro dos nossos filhos e todos somos mortais", John F. Kennedy.

14.5.09

EFEMÉRIDE


Se a memória não me falha, passam hoje 15 anos sobre o inesquecível, ou melhor, sobre o aterrador, empolgante e sublime (como noticiava a manchete de A Bola do dia seguinte) derby de Alvalade que o SLB ganhou por 3-6, com uma exibição lendária de João Pinto! E eu estava lá, com treze aninhos..., acompanhado do meu pai, onde, no meio daquela chuva grossa e pesada, festejámos cada golo como se fosse o último das nossas vidas! Em tempos de crise aguda benfiquista, há que ir ao baú buscar estas coisinhas...

GRANDES MÚSICAS (2)


Everybodys Talkin - Harry Nilsson

Grande música, de facto! E que serve de banda sonora a um grande filme - Midnight Cowboy (1969)! Quando a oiço sinto-me a levantar voo... porque, tal como reza a própria, ... I'm going where the sun keeps shining!

13.5.09

PÉROLAS DE JORGE JESUS


Ontem na rua, à porta do emprego, deram-me um exemplar do novo jornal i. Li-o mais tarde em casa de fio a pavio. Jornal interessante. Momento sublime: nas últimas páginas, na secção desporto, e a propósito da eventual ida de Jorge Jesus para o SLB, o jornalista Pedro Candeias, autor da peça, decide recordar algumas das melhores pérolas do actual treinador do Braga. São três e eu ainda me lembrava de duas delas. Ora então cá vai:
1ª - "Quero aproveitar para dedicar esta vitória a todos os motocards da Amadora que vieram até aqui"
2ª - "Não respondo a essa pergunta porque essa é uma questão do forno interno do clube"
3ª - "Os estrangeiros não são problema. Estamos a tratar do processo de neutralização"
Não se riam. Isto é arte, caros amigos! Muito bom...

11.5.09

GRANDES MÚSICAS (1)

Não consigo parar de ouvir isto... são irlandeses!

10.5.09

GRANDES CENAS (1)

Um demolidor abrir de coração (Marlon Brando, em Há Lodo no Cais, 1954).

THE AVIATOR*



CITIZEN HUGHES


The Aviator, o novo filme de Martin Scorsese, foca-se na vida de Howard Hughes (1905-1976), um americano milionário, excêntrico, realizador e produtor de filmes, e, mais ainda, um dos maiores génios da aeronáutica do século XX. Por ironia, sendo o filme sobre um aviador, ele representa também (como o próprio já se encarregou de confirmar) o último voo de Scorsese para o Oscar. Quanto à obra em si, The Aviator tenta retomar o biopic na sua melhor tradição, o mesmo é dizer, e em termos paradigmáticos, tenta construir-se (penso poder dizê-lo) na esteira de Citizen Kane (1941). Mas, claro está (e não fosse este um filme de Scorsese), tudo feito com virtuosismo, isto é, numa síntese entre o aproveitamento do que há de melhor em termos de Escola, e o toque pessoal de Scorsese, que sempre inova, rasga, impressiona.

O filme tem, de facto, notórias semelhanças com a mais emblemática obra de Orson Welles. O que, sublinhe-se, em nada o prejudica, antes pelo contrário. E a grande questão é esta: terão sido Scorsese e The Aviator dignos de suceder a Welles e Citizen Kane? Penso sinceramente que sim. Em The Aviator, tudo está pensado para tal: desde a escolha da personagem a biografar (Scorsese sabia que para um grande biopic, uma grande personagem, e Howard Hughes preenche o tipo), passando pelos tópicos centrais do filme (génio - doença - solidão), até à excelência da realização (Scorsese, tal como Welles, foi, é, e sempre será um inovador do e no seu tempo).

O Aviador, como se acaba de referir, gira em torno dum triângulo temático, a saber: o génio, a doença, e a solidão. Pergunte-se se isto tudo é compatível com a felicidade, e temos a chave do filme. Mais concretamente, há que analisar duas dualidades fundamentais do filme: uma interior - a dualidade em Hughes entre o génio (ou, mais simplesmente, o homem) e a doença, e outra exterior - a dualidade entre Hughes e o mundo que o rodeia. Quanto à primeira, não tenho dúvidas em afirmar que vence o génio, vence o homem, vence Howard Hughes, apesar da doença. E no que toca este aspecto, há dois sinais esclarecedores no filme: um primeiro (necessariamente ligado ao homem) em que Hughes, apesar da doença, consegue amar, consegue, no fundo, alcançar essa "fusão" sentimental que espelha o amor (patente na partilha da sua garrafa de leite com Katharine Hepburn, gesto que, no contexto do filme e da personalidade de Hughes, adquire um simbolismo decisivo); e, segundo sinal (relativo ao génio), em que Hughes, apesar da doença, consegue ficar na história da aviação (quiçá mesmo na história americana), consegue ser O Aviador: a perseverança demonstrada em fazer o Hércules levantar voo é aqui também ela um exemplo decisivo, pois mais do que uma prova dada ao mundo exterior, representa sobretudo o vencer de um desafio de Hughes com ele próprio. E quanto à segunda dualidade (exterior), é aqui que mais nos lembramos da personagem de Charles Foster Kane, pois o percurso de Hughes (neste aspecto) quase que se diria idêntico ao daquele. Com efeito, e funcionando como um contrapeso à vitória do génio/homem sobre a doença, a relação de Hughes com o mundo que o rodeia pauta-se por uma infelicidade extrema, uma constante falta de comunicação, mesmo de integração humana. Tal como Kane, Hughes tem a infância sempre (anormalmente) presente - o sabonete, herança simbólica de sua mâe, "entranhado" no bolso, quase que representa, ao estilo de Pessoa, o passado (leia-se infância) roubado na algibeira...

Em síntese, este último filme de Scorsese aborda, com um realismo impressionante (a fazer lembrar Leone...), a genialidade humana e a loucura (como podendo ser, e muitas vezes são, duas faces da mesma moeda), a falta de integração dum Eu (Hughes) com o mundo que o rodeia, a sua incapacidade crónica de ser feliz com os outros, enfim, a solidão e a evocação constante da infância como única forma de a combater.
*Texto escrito em 2005 no meu anterior blogue Renascer.

9.5.09

ISTO...

... era o que eu gostava de saber fazer com uma bola de futebol!

3.5.09

GRANDES FRASES (3)

"Uma grande alma distingue-se por desprezar a grandeza e por preferir a justa medida das coisas aos excessos", Séneca.

BERTRAND RUSSELL E A CRISE DAS RELAÇÕES HUMANAS

"Os obstáculos psicológicos e sociais que se opõem ao desabrochar da afeição recíproca são prejuízos graves de que o mundo sempre sofreu e sofre ainda. As pessoas são lentas a dar admiração a outras, com receio de que seja mal empregada; são também lentas a dar provas de afeição com medo de virem a sofrer por causa das pessoas a quem as dêem ou com receio da censura do mundo. A prudência é-lhes imposta não só em nome da moral, mas também em nome da sabedoria humana, e daí resulta que a generosidade e o espírito de aventura são desencorajados no que respeita à afeição. (...) Cada um procura não se abandonar, cada um conserva o seu isolamento fundamental, cada um continua intacto e portanto estéril. Em tais experiências não há valor essencial."

Não resisti a transcrever esta magnífica passagem dum livro de B. Russell (a saber, The Conquest of Hapiness) não só, antes de mais, pela genial capacidade de reflexão filosófico-sociológica demonstrada, mas também pela impressionante actualidade do assunto em análise. Aliás, tenho para mim que dificilmente outro tema, no plano das relações humanas, tenha actualmente tanta importância como este. É pena é que seja pelas piores razões.

De facto, confesso que o individualismo extremo por que as pessoas hoje em dia pautam a sua vida afectiva é um dos tópicos sobre os quais mais me apetece escrever. Creio que vivemos mesmo na era do isolacionismo afectivo, em que é um imperativo (ainda que inconsciente) desvalorizar o outro, desprezar o convívio enriquecedor, e, mais grave de tudo, agir interessadamente (ou, ao invés, haver uma incapacidade total de agir para com o outro desinteressadamente). Vivemos numa época em que se faz a mais mesquinha auto-exaltação do ego, sem que isso represente forma alguma de auto-estima, mas antes uma pobreza afectiva e emocional que nos torna civilizacional e culturalmente mais pobres. E, claro, dificulta muito a felicidade. Mas, como diz o Carlos Amaral Dias, talvez isso (felicidade) seja só coisa de besouros...