8.12.09

DE PROFUNDIS, VALSA LENTA


EM COISA DA MEMÓRIA...

Das profundezas do abismo (um AVC, sofrido em 1995), José Cardoso Pires chamou por ele. Sim, disse bem, por ele (ele-próprio), e não por Ele, que isso seriam contas de outro rosário, para as quais Cardoso Pires nunca esteve virado, em vida e em obra. Tal chamamento ou grito ganhou corpo em De Profundis, Valsa Lenta (1997, Dom Quixote), que, segundo o próprio, também poderia ser uma Memória duma Desmemória. O livro, abrindo com um interessantíssimo prefácio de João Lobo Antunes, surge quase todo ele em forma de ensaio, apenas aqui e ali aflorando a ficção, sobretudo nos "diálogos" de Ramires e Martinho (os companheiros de quarto hospitalar). Mas De Profundis, dissertando sobre a doença vascular cerebral, toca-nos no nervo: é que sem memória não se vive; ou por outra, e como aponta Lobo Antunes, vive-se, quando muito, clinicamente, mas não humanamente.

A memória é a ponte que liga passado-presente-futuro. Sobre ela, atravessando-a num vai-vem constante, segue a vida. Repousa a existência. Assentam as nossas significações mentais, culturais e afectivas. E isto é tão verdade que, se por acaso (ou por obra de um AVC), e ainda que temporariamente, essa ponte ruir, entramos naquilo que JCP baptizou de morte branca, aka processo de despersonalização, aka perda de identidade, aka incomunicabilidade. Tornamo-nos alheios e anónimos, passamos a habitar uma "ilha de náufragos".

De facto, que somos nós sem aquilo que fomos? É certo que nada somos se não sonharmos em ser algo mais. Mas não nos esqueçamos da memória, ou a vida torna-se uma meada demasiado longa para se lhe retomar o fio. Li De Profundis e lembrei-me disto. Ah, haja alguém que valorize a memória! E agora, José? José, obrigado.

6.12.09

NO TEU DESERTO


Houve verão, houve leveza. Leveza literária, bem entendido. Algures entre Agosto e Setembro passados, ocupei-me disto - No Teu Deserto, o último "blockbuster literário" de Miguel Sousa Tavares. É certo que o epíteto de "Quase Romance", logo na capa, torna a coisa, digamos, um pouco despretensiosa por antecipação. Em todo o caso, tal efeito ou intenção esbate-se rapidamente mal se começa a leitura: qualquer leitor minimamente sóbrio constata, às primeiras páginas, que estamos perante mais um relato das "Aventuras do Super-Miguel". O livro dir-se-ia feito em forma de homenagem: a uma mulher, a uma viagem, a um lugar (o deserto). Não questiono a autenticidade desse intuito; nem sequer a sua consumação. Mas a escrita de MST começa, num certo sentido, a tornar-se insuportável, tal é a dose de egocentrismo. A estrutura narrativa de No Teu Deserto é uma repetição ad nauseam da fórmula obstáculo/superação, que surge ao longo de toda uma viagem até ao Sahara. Vem o obstáculo, vem o desafio (por ex., ter de fazer 400 km de carro por estrada nacional em seis horas e meia, conseguir in extremis um lugar num ferry que já se desprendia do cais, etc, etc.), vem a superação, vem a glória. Por quem e de quem? Pelo Miguel e do Miguel, claro. Ai se assim não fosse!

Mas enfim, não pense o leitor que é mais um Vasco Pulido Valente que escreve (no plano das intenções, das intenções..., já que quanto ao resto nem me atrevo a comparações). Eu gosto do MST. Gostei imenso do Equador, foi uma experiência empolgante; O Rio das Flores não li mas hei-de ler. O que de melhor há em No Teu... é o regresso de Sousa Tavares à literatura de viagens. Todavia, e em rigor, trata-se de um regresso pouco inovador: repete aqui muito do que já havia contado em SUL - Viagens (A Pista para Tamanrasset, p. 187 e ss.). É certo que desta feita o registo é incomparavelmente mais intimista: em Sul há apenas o Sahara, em No Teu... há o Sahara da Cláudia, que é uma homenagem à própria e que é o que no fundo prevalece. A partir de certa altura, e até para melhor dar corpo a essa homenagem, o livro entra num jogo real-ficção, cedendo Sousa Tavares pontualmente a narração da história a Cláudia, naquele que é o exercício do livro que o faz mais aproximar dum romance.

Em balanço, No Teu Deserto acaba por ser a evocação de uma memória, que é a forma mais bela de homenagem e gratidão a alguém que já nos deixou, e que igualmente prova, no caso, que uma viagem é sempre mais marcante se for partilhada. Por uma razão muito singela: é que tudo o que foi partilhado foi mais verdade, aconteceu mais.

3.10.09

9.9.09

UM NOCTURNO DO CINEMA...



... numa bela imagem do cinema (Hugh Jackman e Rachel Weisz, The Fountain, 2006).

6.9.09

SEJA BEM-VINDO

"Este último ano que passei na televisão não foi feliz, sem culpa nenhuma para Manuela Moura Guedes, que me tratou com inalterável generosidade. À parte a minha má imagem (um understatement), a minha má voz, geral incoerência e péssima dicção, sucede que escrever (um ofício em que me eduquei) é exactamente o contrário de falar. Quem fala improvisa; quem escreve calcula, planeia, emenda, substitui. Os dois processos são contrários. Pior, são incompatíveis. Verdade que a prosa acabou por me levar à televisão: um compreensível acidente. Só que "um homem de letras", mesmo medíocre, nunca, no fundo, se transforma. Voltar a este privilegiado canto é, para mim, como voltar para casa.".



Vasco Pulido Valente, no Público de hoje.

4.9.09

30.8.09

UM NOCTURNO DE AMY