30.4.09

UM POEMA DE QUE GOSTO MUITO


ÁLVARO CAMPOS

ANIVERSÁRIO


No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui - ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho... )
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a humidade no corredor do fim da casa,

Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),


O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos ...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!


Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...

A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,

O aparador com muitas coisas - doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado,

As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos. . .


Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira! ...


O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...

19.4.09

A COR DO DINHEIRO


O JOGO PELO JOGO

Lembro-me de ser criança e ir a salões de snooker, ora pela mão do meu pai, ora pela do meu irmão (8 anos mais velho). Lembro-me de jogar com um e com outro, de ganhar (menos) e de perder (mais...) com um e com outro. Sempre que perdia, lembro-me da fúria silenciosa que tomava conta de mim; mas, quando ganhava, era tal a sensação de realização, de autoconfiança e de orgulho, que me sentia o rei do mundo. Não sei porquê, mas a atmosfera dum salão de jogos, particularmente a da sala do snooker, com as mesas como que geometricamente dispostas ao jeito duma planta pombalina, e os seus reluzentes tapetes verdes, deixava-me fascinado. E quando nela entrava, sendo criança, logo deixava de o ser. Vinha o espírito de competição, a vontade de vencer os jogos, a concentração, o rosto fechado numa pose de homem. Por coincidência, foi também por essa altura que vi pela primeira vez A Cor do Dinheiro (1986), de Martin Scorsese, onde fui encontar na personagem de Vincent Lauria uma espécie de alma gémea. Hoje, muitos anos depois, e a propósito do seu mais que tardio lançamento em DVD no mercado português, vale a pena deixar algumas notas sobre o filme.

A Cor do Dinheiro
é um dos filmes da minha vida. E, sendo também um dos filmes das vidas de Paul Newman e Tom Cruise, é acima de tudo o filme que os cruza na vida. Cruza um peso-pesado com um neófito promissor. Cruza a geração do Actors Studio com uma nova geração de Hollywood. E muitos vêem nesse cruzamento uma passagem de testemunho entre Newman e Cruise - um momento de transição simbólico.

Paul Newman é Eddie Felson, um antigo "monstro" do bilhar, cuja carreira assume quase contornos de mito, mas que a veterania conduziu a um pouco transparente vendedor de whisky. Paralelamente, a sua relação com o bilhar passa a ter no centro o dinheiro: Felson, com o decorrer dos anos, tornara-se uma espécie de "empresário de bilhar", que detecta novos talentos e daí procura, nos típicos ambientes de apostas dos salões de jogos, tirar para si os máximos dividendos. Dir-se-ia que, com a decadência do tempo, o desejo de vencer os jogos (como jogador) deu lugar à vontade de ganhar dinheiro fácil (como apostador). Mas eis que, através do som duma tacada forte ("uma abertura potente"), Felson descobre Vincent Lauria (Cruise). Scorsese acompanha a situação: a cada abertura de Vincent é o close-up de Newman que surge. Daí até à redenção final de Felson, a câmara não pára de girar (às vezes literalmente) em torno de Newman. Porque é disso mesmo que trata o filme: da redenção, através de Vincent, de Eddie Felson. Na excêntrica e genial personagem de Tom Cruise, Felson ora vê o delfim ora se vê a si próprio, mergulhando a partir daí o filme num ambivalente e fascinante jogo de emoções. A redenção vai consistir numa redescoberta por parte de Felson da pureza do jogo, do prazer de jogar o jogo pelo jogo, de voltar a pedir a cada adversário que leve para a mesa, não dinheiro, mas o seu melhor jogo. No fundo, esta redenção de Felson é um regresso: um regresso à vida, um regresso a si próprio e um regresso à autenticidade. O dinheiro, esse, perdeu a cor.

NOTA (1): Foi com A Cor do Dinheiro que Paul Newman ganhou finalmente o seu óscar de melhor actor. Numa altura, é certo, em que já não precisava dele para nada. Em todo o caso, há interpretações de certos actores que são autênticos Manuais de Representação. Esta de Newman é uma delas (lembro-me também, por exemplo, da interpretação de Robert De Niro em O Cabo do Medo). Quando passam poucos meses desde a sua morte, aqui fica a minha homenagem.

NOTA (2): Por falar em Manuais de Representação, vejam a realização de Scorsese e têm aí um Manual de Realização.

18.4.09

GRANDES FRASES (2)

"Nunca faço planos para a vida para não estragar os planos que a vida tem para mim", Agostinho da Silva.

GRANDES FRASES (1)


"Já viste amar sem imaginação?", José Cardoso Pires para Clara Ferreira Alves, em José Cardoso Pires - Livro de Bordo (filme).