Como bem refere Maria Filomena Mónica no prefácio da obra em apreço, distinguir, a propósito de grandes autores literários, entre vida e obra é sempre artificial. Na sua vida pessoal, parece que Eça não se deu lá muito bem com o amor. Em plena adolescência, terá ficado marcado pelo veto do seu tio ao namoro com a prima mais velha, o que fez com que precocemente se sentisse um homem pouco desejado. Posteriormente, a influência de Proudhon e a adopção do realismo terão também ajudado a moldar a visão trágica e negativista do amor que perpassa em muita da sua obra. Com efeito, o amor em Eça surge amiúde viciado na sua base, seja pela impossibilidade natural do incesto (
Os Maias), pela proibição social e moral (
O Crime do Padre Amaro) ou pelo adultério sem escrúpulos (
O Primo Basílio). E, curiosamente, é quase sempre sobre a personagem feminina, descrita pelo vazio mental, pelo sentimentalismo e pela inocência, que vai recair o onús da tragédia. É a mulher que ama, e o homem que desfruta. É a mulher que sonha, e o homem que friamente desfaz os sentimentos. É a mulher que se sacrifica, e o homem que segue vivendo. No fundo, é a mulher romântica, e o homem realista.
Em O Mistério da Estrada de Sintra (1870, em co-autoria com Ramalho Ortigão), ainda longe, portanto, da maturidade das grandes obras, Eça começa a desenhar aquela que viria a ser a sua visão fundamental do amor. Deixo aqui uma passagem (citada na obra de Filomena Mónica) correspondente a um dos últimos folhetins, "A Confissão Dela", escrito por Eça, em que o capitão inglês Rytmel comunica, através de carta, à Condessa de W a impossibilidade de aquele amor sobreviver: «Fias-te de mais no amor! Aquele amparo superior, aquele apoio sólido e protector, que todo o espírito procura no mundo, e que uns acham na família, outros na ciência, outros na arte, tu pareces quereres encontrá-lo somente na paixão, e não sei se isso é justo, se isso é realizável!». Mais à frente, o amor «é um desequilíbrio das faculdades; é o predomínio momentâneo e efémero da sensação; isto basta para que não possa repousar sobre ele nenhum destino humano. É uma limitação da liberdade, é uma diminuição do carácter; especializa, circunscreve o indivíduo; é uma tirania natural, é o inimigo astuto do critério e do arbítrio (...)».