23.3.09

GRAN TORINO

Olhando pelo espelho de Gran Torino (2008), de Clint Eastwood, vê-se a América de hoje. Naquele que pode bem ser o seu último aceno ao mundo do cinema, et pour cause, Eastwood traz-nos uma obra derradeira, plena de realismo, que traça um dos retratos mais fiéis da contemporaneidade americana. Walt Kowalsky é um sobrevivente da velha América, aquela que vivia do trabalho e do esforço, da rectidão e do conservadorismo. É também um sobrevivente da sua própria família e da culpa pelo seu fracasso como pai. E é ainda um sobrevivente da Guerra da Coreia (1950-53), dos seus traumas e dos seus fantasmas. No limite, é um sobrevivente dele próprio, sem ponte para o mundo e os outros. Ou, se se quiser, e num plano mais transcendental, Walt Kowalsky é alguém que sofre (rosnando) com a perda de um sentido americano de vida, vivendo num mundo onde já não há referências americanas; num mundo onde no lugar de Fords circulam Toyotas; num mundo onde os jovens, mesmo os inteligentes, não sabem o que fazer à vida; num mundo onde parece não haver futuro.

Contudo, no meio do caos, emerge a lição de Eastwood. Revisitando as origens americanas, o polaco Walt Kowalsky vai-se redescobrir numa mescla com os vizinhos Hmongs, onde particularmente estabelece uma relação pai-filho com Thao. O filme, a partir daí, centra-se todo numa redenção e dependência recíprocas, em que cada um precisa do outro para se reconstruir, em que cada um é a segunda oportunidade do outro. Thao herda de Walt o seu Gran Torino, o mesmo é dizer os seus princípios e ensinamentos. E Walt perdoa-se e é perdoado.

No mundo real, porém, nada podia ser assim tão simples. Faltava a maldade. A ordem natural da vida dá sentido ao sacrifício final de Walt Kowalsky. Dezasséis anos depois, Eastwood, surgindo silencioso da noite escura, tem mais uma vez um bando diante de si para abater. A expressão fulminante é a mesma mas desta vez não há a espingarda em riste. Vem desarmado. Tratava-se agora, não de fazer vingança, mas de garantir um futuro. Não o assegurar é que seria imperdoável.


2 comentários:

  1. Obrigada pelo convite para vir aqui fazer uma visita. Adorei que tenhas escrito "rosnando" - de facto, é isso!

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  2. Obrigado pela tua simpática visita e pelo teu comentário! De facto, quando nos querem fazer descer a um nível-cão (como quando o filho de Walt o queria desumanamente enfiar num lar) rosnar pode ser a melhor solução...

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